Algo de muito inesperado está acontecendo no Amapá. Quase que de uma hora para outra, o estado
da Região Norte despontou como uma potência no mercado nacional importação de óleo diesel.
Dos cerca de 1,22 milhão de m³ que entraram no país mês passado, 16% – mais de 194,2 mil m³ –
foram nacionalizados por meio do estado. Apenas um ano antes, a participação do Amapá não chegava a
3% do total.
Tudo mudou em abril de 2023. Naquele mês, o estado recebeu perto de 110 mil m³ de óleo diesel importado; o
que equivalia a 11,9% do volume total que foi importado pelo país naquele mês. De lá para cá, o Amapá
consolidou sua posição entre as maiores portas de entrada do derivado no mercado brasileiro.

Amapá
Evolução das importações de óleo diesel feitas através do Amapá ao longo dos últimos cinco anos

Fechadas as contas de 2023, perto de 1,38 milhão de m³ de diesel – 9,6% do total – chegaram ao país via
Amapá. Num único ano, o estado importou um volume de diesel maior do que os 1,28 milhão de m³ que
haviam sido registrados pelo governo brasileiro nos 26 anos anteriores. E, ao que tudo indica, isso deve se
manter. De janeiro a março, a fatia do Amapá no mercado nacional de importações ficou em 13,3% com um
pouco menos de 413,4 mil m³.
Até entre os próprios importadores, o salto repentino chamou atenção. “O aumento da internação de diesel
A pelo estado do Amapá é, de fato, surpreendente”, concorda Sérgio Araújo, presidente executivo da
Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom) acrescentando que nenhum dos

A ascensão do Amapá como um grande polo importador de diesel está intimamente ligada a um outro
fenômeno recente do mesmo mercado: a ascensão da Rússia como maior fornecedor de diesel para o Brasil.
O país europeu que, até o ano passado, tinha participação apenas marginal do mercado nacional – não são
raros os anos em que a venda de diesel russo para o Brasil aparece zerada – saltou para a primeira
colocação capturando mais de metade da demanda nacional em 2023.


Óleo Diesel
Em menos de um ano a Rússia saiu de uma posição minoritária para se tornar a força dominante entre os fornecedores externos de óleo diesel para o Brasil.

Praticamente todo o diesel que está entrando no Brasil via Amapá é de origem russa. No ano passado, o
produto representou 95,3% das importações do Amapá e, este ano, o percentual atingiu a 100%.

Esse diesel todo claramente não está ficando no estado. Dono do segundo menor PIB e população do país – segundo o IBGE –, a ANP aponta que o consumou de diesel B dos amapaenses no último ano foi de apenas 99,8 mil m³.

Triangulação
Segundo Sérgio Araújo, o Porto de Santana sequer tem “infraestrutura adequada à descarga” do óleo diesel mineral. “Estas operações devem estar sendo feitas por empresas (…) daquele estado. Porém, as descargas efetivas [são feitas] nos portos de outros estados”, complementa.

Essa percepção também é refletida numa nota encaminha pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP)
que avaliza que o volume de “combustível importado [pelo Amapá] é maior do que pode ser armazenado e comercializado pelo Estado (…) o que sugere que esse combustível está sendo transferido e comercializado

situação.
De fato, quando se consulta o histórico dos navios que atracaram no Porto de Santana, cidade vizinha a
capital Macapá, a última vez que uma embarcação carregada com “combustível” atracou lá foi em março
2018 – informação consistente com o histórico do MDIC.

Ou seja, a ‘entrada’ desse diesel todo pelo Amapá acontece apenas no papel. Segundo BiodieselBR.com
apurou com outras fontes que pediram que suas identidades fossem preservadas, as cargas de diesel
seguiram para os portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR) principalmente

Incentivo fiscal
A explicação que a maioria das fontes dá para esse ‘passeio’ do diesel importado são incentivos fiscais que o governo do Amapá concedeu a algumas empresas de trading por meio de atos declaratórios. A reportagem de BiodieselBR.com identificou pelo menos duas empresas que receberam o benefício – a Alba Trading e a Amapetro – o primeiro dos quais foi editado em meados de abril do ano passado. Não por acaso, no mesmo mês em que as importações amapaenses iniciaram a escalada que levou o estado movimentar perto de US$ 910 milhões em diesel importado apenas no ano passado.

Estes atos incluem as empresas no chamado “Regime Especial de Procedimentos Fiscais”. Isso permite que elas importem diesel pagando apenas 4% de ICMS e adiem em 60 dias o recolhimento do imposto devido. Calculando sobre os valores médios em reais do diesel que foi importado via Amapá em março, isso dá cerca de R$ 132,30.

Já empresas que importam por outras UFs precisam desembolsar R$ 1.063,50 por cada m³ de diesel A
importado. E o pagamento tem que ser no ato.

Ainda segundo a nota do IBP, essas diferenças de tratamento estão em desacordo com a legislação. “Os
benefícios fiscais concedidos pelo estado que vão de encontro as normas atuais, em especial os convênios de ICMS, diz se referindo aos Convênios ICMS 199/2022 e 11/2023 que regulamentaram o regime monofásico sobre o mercado de combustíveis doa país criado pela Lei Complementar 192/2022.

O Refina Brasil – associação que reúne as refinarias de petróleo independentes do Brasil – é mais duro e
classifica abertamente como “ilegal” o benefício concedido pelo Amapá, avaliando que ele promove uma
“nova guerra fiscal” que caminha no sentido inverso ao pretendido pela recente Reforma Tributária. “Causa estranheza tal benefício, já que o ICMS [que deveria ser considerado] é o do estado de destino”, avalia entidade em nota encaminhada à BiodieselBR.com acrescentando que isso provavelmente “está criando distorções de preços nos mercados de vários estados”

Janela de risco
Pode ir um tanto além de uma simples disputa entre estados por mais arrecadação à custa dos demais. “Ao criar uma exceção via ato declaratório, o que o Amapá fez foi facilitar para que essas traders não pagassem o tributo de importação”, diz a fonte que falou em off com BiodieselBR.com acrescentando que essas cargas

“Como esse diesel não está sendo fiscalizado e tem descontrole na sua destinação, isso dificulta
acompanhar a mistura de biodiesel”, insinua. “O diesel sempre foi a matriz de combustíveis mais
organizada do Brasil tanto em termos de arrecadação fiscal como de qualidade”, lamentou.
Por enquanto, não está claro como o problema poderá ser solucionado. Mas, nos bastidores há uma
movimentação dos atores do setor de combustíveis. Em sua coluna de ontem (09) no Jornal do Commercio,o jornalista Fernado Castilho, informou que um grupo composto por quatro associações do ramo de combustíveis procurou o Ministério da Justiça em busca de providências contra essa situação. Essa investida somaria esforços além da Abicom e do IBP também da Federação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Gás Natural e Biocombustíveis (Brasilcom) da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis (Fecombustíveis).,

BiodieselBR.com — 11 abr 2024 – 08:24